Luly, a Cachorrinha Fóbica
Alguns distúrbios psíquicos que acometem as pessoas são frutos da nossa vida moderna e podem, por vezes, ocorrer também nos animais que compartilham de nosso convívio.
Isso acontece porque o cérebro segue padrões muito antigos de sobrevivência, sendo que boa parte das chamadas doenças psíquicas da atualidade nada mais são do que desadaptações entre o instinto básico de sobrevivência e a vida no chamado mundo civilizado, aonde não temos que fugir de feras que nos caçavam no nosso dia a dia.
É interessante notar que os animais que convivem conosco podem adquirir distúrbios psíquicos muito semelhantes aos nossos, o que nos ajuda a compreender como eles podem se desenvolver.
Por isso, resolvi contar a história da Luly, a cadelinha que desenvolveu um quadro de fobia e ansiedade semelhante aos dos humanos. A Luly é da raça Lhassa Apso, de cor branca, e tem hoje 8 anos de idade.
Há aproximadamente 5 anos atrás, comecei a notar alguns comportamentos estranhos que foram se desenvolvendo e se consolidando lentamente após uma sucessão de eventos e que me fizeram concluir se tratar de um quadro fóbico ansioso.
Os quadros de fobia acometem ao redor de 7,4% da população, sendo as mulheres e as pessoas de maior nível sócio econômico as mais atingidas, e se caracterizam pelo medo incontrolável e infundado de situações ou objetos que participam do nosso dia a dia. Alguns deles são bem conhecidos, tais como a claustrofobia (medo de lugares fechados e estreitos), a agorafobia (de lugares amplos e abertos), de insetos, de altura, etc.
A fobia é uma doença que pode ser incapacitante, impedindo esses pacientes de terem uma vida normal, o que pode trazer sofrimento intenso, causando ansiedade e depressão.
Mas voltando ao caso da Luly, há uns 5 anos atrás, ela passou a frequentar minha casa no litoral, que possui dois lances de escada, sendo que um deles leva ao meu dormitório e outro que é uma escada circular que sai do chão da sala para a parte inferior da casa.
A princípio a Luly era destemida, subindo o lance da escada para o quarto com desenvoltura. Até que numa ocasião ela caiu dessa escada. Quanto a escada circular, a curiosidade típica dos cães, a fez cair também dessa.
A partir de então, ela ficou bastante receosa e precavida em relação às escadas, mas ainda subia e descia a que vai ao quarto. Até um ponto em que o medo a paralisou totalmente, ficando na dependência de alguém que a pegasse no colo escada acima ou abaixo.
Entretanto, o quadro foi piorando ao ponto de que hoje ela tem dificuldade até em se deixar carregar para descer a escada, chegando a fugir para baixo da cama quando tentamos pegá-la. Numa situação peculiar na qual ela quer descer, mas não “consegue” se deixar pegar.
Além disso, existem outros pequenos degraus na residência aos quais ela foi desenvolvendo o medo de superá-los, “pedindo” nossa ajuda para tal.
Finalmente, ela começou a desenvolver a fobia de caminhar no assoalho escuro, possivelmente pelo medo do buraco que leva da escada caracol, ficando apenas nos tapetes da casa e se recusando a sair de cima deles.
O caso Luly mostra como as fobias se desenvolvem de forma gradual, podendo ser decorrentes, por vezes, de pequenos traumas que vão se solidificando e complicando no decorrer dos anos.
Contudo, existe uma diferença básica entre o medo desenvolvido pela Luly e a de um paciente fóbico. No primeiro caso, essa fobia se manifesta apenas quando ela se encontra no local dos fatos traumáticos, sendo que no caso humano, ela fica presente na mente desses pacientes e provoca uma serie de alterações de comportamento e de sentimentos, sempre no sentido de evitar as situações ou os objetos da fobia.
Hoje em dia, falamos em um paciente fóbico sem importar tanto qual tipo de medo seja, pois sabemos que existe uma forte tendência hereditária em adquirir uma ou várias fobias.
O tratamento das fobias é bastante desafiador, pois depende de uma forte motivação por parte do paciente. Posso ainda afirmar ainda, que a medicina e a psicologia ainda não encontraram o tratamento que seja 100% eficaz, de modo que cada paciente acaba se “adaptando” ao seu.
Freud foi um dos que primeiro explorou o tema, desenvolvendo toda uma teoria baseada no trauma como causa das fobias e propondo o tratamento psicanalítico para esses pacientes.
A partir disso, outras técnicas psicoterápicas foram surgindo, podendo citar entre elas a terapia cognitiva, comportamental, a hipnose, a dessensibilização e, mais recentemente, a chamada terapia somática, criada por Peter Levine e praticada pela psicóloga Isabel L. Cesar¹.
A farmacoterapia é frequentemente usada pelos pacientes, mas não tem o alcance de curar a fobia, apenas melhora os sintomas secundários que acompanham esses quadros. Entre os medicamentos mais frequentemente utilizados, podemos citar os antidepressivos inibidores da recaptação da serotonina (sertralina, fluoxetina, escitalopram, etc) e os calmantes chamados de benzodiazepínicos (clonazepam, bromazepam, alprazolam, etc).
Em geral, o tratamento do paciente fóbico requer uma equipe multidisciplinar e o resultado depende da boa integração entre paciente, médico, psicólogos e terapeutas.
¹Sobre Isabel L. Cesar
Bel Cesar é psicóloga, formada em 1989. Desde então, pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano e dedica-se ao acompanhamento daqueles que enfrentam a morte e também ao tratamento do estresse pós-traumático com o método de S.E.® – Somatic Experiencing. Organizou a primeira vinda de Lama Gangchen Rinpoche ao Brasil em 1987. Presidiu o Centro de Dharma da Paz por 15 anos.
Em parceria com Peter Webb, desenvolve atividades de Ecopsicologia no Sítio Vida de Clara Luz. Possui sete livros publicados pela Editora Gaia. Entre eles, Morrer não se Improvisa, Livro das Emoçõe, Sutil Desequilíbrio do Estresse com o psiquiatra Dr. Sergio Klepacz, O Grande Amor – em parceria com Lama Michel Rinpoche e o mais recente, Câncer – quando a vida pede por um novo ajuste.