Depressão ou Infelicidade?

Toda vez que passamos por um momento difícil, em que sofremos com alguma doença, ou nos lançamos em situações e projetos de vida estressantes, e mesmo quando abusamos de drogas e substâncias capazes de alterarem nosso balanço químico, nos damos conta da importância de preservar nosso equilíbrio físico e emocional.

Originária do latim, a palavra equilíbrio vem de aequilibrium (formada por aequi, que significa “igual”, e librare, “oscilar”) e pode ser compreendida como sinônimo de estabilidade e harmonia, que remete à sensação de bem-estar.

Desse estado subjetivo participam elementos químicos, físicos e energéticos que precisam estar adequadamente balanceados. Um exemplo:

Quando estamos em depressão, nosso cérebro funciona de forma alterada, com pouca circulação de neurotransmissores, (mensageiros químicos cerebrais), com a baixa produção de energia por parte de determinados grupos de neurônios (células do cérebro), e inclusive estando eles, de certa forma atrofiados, o que provoca uma sensação extremamente desagradável e de muito sofrimento.

Já do outro lado, o excesso de substâncias ativando o cérebro também pode provocar um desequilíbrio, como o que acontece quando sofremos descargas exageradas de cortisol (o hormônio do estresse), ou de neurotransmissores, como a própria serotonina e noradrenalina – o que se caracteriza clinicamente pela ansiedade e medo.

O bem-estar é o que procuramos, e posso garantir que ele está presente em algum estado intermediário, nem para mais, e nem pra menos.

Observo no cotidiano da minha prática profissional que são basicamente três os elementos nescessários para atingirmos o estado de equilíbrio e bem estar: Humor, felicidade e qualidade de vida.

Muitas pessoas passam boa parte de suas vidas perseguindo ou tentando recuperar o estado de bem estar pleno, sem nunca alcançar. Não raramente alguns tratamentos atingem um ou mais desses fatores, mas podem acabar deixando algum ponto importante de lado, e isso porque a distinção é por vezes bem sutil, havendo uma confluência grande entre esses elementos, como mostra a figura abaixo:

Veja por exemplo, existe uma grande confusão entre depressão e infelicidade, e na pratica vemos que pessoas depressivas fazem o tratamento com medicações e apesar da melhorarem de vários sintomas típicos do quadro, continuam insatisfeitas, vendo o copo de agua sempre meio vazio.

Felicidade é um parâmetro psíquico que só recentemente começou a ser estudado, sendo que hoje em dia, vários trabalhos científicos consideram índices de satisfação pessoal até mesmo para avaliar riscos à saúde de uma determinada população. A ciência tem algumas ferramentas para a medição do grau de felicidade, como o questionário Oxford Happynnes Scale.

Embora ocorram distinções entre o bem-estar de um país e do indivíduo em particular, o que se nota é que em regiões com expectativas mais altas de vida, as pessoas não apenas levam uma vida mais saudável, mas também apresentam, em geral, maior grau de satisfação, como mostram dados do Índice Mundial de Felicidade de 2017, divulgado pela Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável (SDSN, na sigla em inglês para World Happiness Report), uma iniciativa global da Organização das Nações Unidas (ONU).

As leis que governam a felicidade não foram desenhadas para nosso bem-estar psicológico, mas para aumentar as chances de sobrevivência dos nossos genes a longo prazo.”

escreveu o escritor e psicólogo americano Robert Wright, num artigo para a revista americana Time.

Empenhados em aprofundar a compreensão dos fatores neurológicos implicados no que chamam de felicidade subjetiva, cientistas da Universidade de Kyoto, no Japão, explicam em um artigo publicado na revista Nature Scientific Reports, que temos uma espécie de “balança interna” na qual as experiências prazerosas e desagradáveis são “pesadas”.

A capacidade e a acuidade dessa balança imaginária, entretanto, variam de um indivíduo para outro. Para alguns, o negativo costuma ter mais ênfase, enquanto para outros, o positivo prevalece na maioria das vezes. Ou seja: cada um dispõe de um “nível basal” de felicidade e, por mais que coisas boas ou ruins aconteçam, passado o período da assimilação da novidade, o nível tende a se estabilizar. Na prática, portanto, alguns de nós seriam mais aptos a serem felizes do que outros.

Ganhar na loteria ou sofrer um acidente?

Pode parecer estranho para muita gente, mas alcançar o tão almejado sonho de ficar milionário não é, por si só, garantia de satisfação. O que as pesquisas revelam é que que ganhar na loteria não faz com que as pessoas fiquem mais felizes no longo prazo. E, ao contrário do que muitos acreditam, não é porque as pessoas gastam demais e perdem todo o dinheiro rapidamente. 

Um estudo clássico de 1978 comparou 22 pessoas que ganharam na loteria, 22 pessoas comuns (que não tinham ganhado dinheiro a mais) e 29 pessoas que ficaram paralíticas em acidentes. Em geral, quem ganhou na loteria reportava ser mais feliz do que as pessoas que tinham passado por acidentes – quatro em cada cinco, ante 2,96 em cada cinco. No grupo de controle, com pessoas comuns, 3,8 em cada cinco pessoas afirmavam ser felizes, não muito diferente do grupo que ganhou na loteria. No entanto, os novos milionários ficavam menos felizes com o que os pesquisadores chamaram de “prazeres mundanos” – aspectos do dia a dia como tomar café da manhã ou conversar com um amigo. Os pesquisadores ficaram surpresos ao descobrir que o grupo das pessoas que tinha ganhado na loteria não era significativamente mais feliz do que os não ganhadores, e que mais da metade do grupo de pessoas que sofreram acidentes se sentia feliz, após um período de 6 meses do evento. 

A felicidade se manifesta como satisfação com a vida, em seus variados aspectos (relacionamento afetivo e familiar, amizades, segurança financeira, relações sociais organizadas, vida profissional, uso do tempo de lazer etc.), e depende muito do que é considerado importante para cada pessoa. O sucesso em algum desses aspectos (ou em vários deles), entretanto, não é, por si só, garantia de felicidade. Muitas pessoas vivem o “dilema da insatisfação”: simplesmente não se sentem satisfeitas, apesar de terem boas condições de vida. Nesses casos, o desconforto costuma ter causas mais profundas que precisam ser investigadas. 

A importância da consciência no nível de felicidade

Após alguns anos de prática, pude observar que o  nível de consciência tem uma forte relação ao nível de felicidade de uma pessoa. Este fato é facilmente constatável quando observamos o grau de insatisfação e infelicidade que vivem os pacientes que são dependentes de drogas que tem ação no sentido de tira-lo de sua consciência plena como por exemplo álcool, maconha, cocaína, calmantes, opiáceos, etc.

Trabalhos científicos de longo prazo, chamados longitudinais, que acompanham grupos de voluntários por décadas, mostram que aqueles que desenvolvem maior consciência de si mesmos, tendem a serem mais felizes. E isso se reflete não só na qualidade, mas também no tempo de vida. Trabalhos científicos demonstram que quanto mais baixo o nível de consciência de si mesmo e do mundo ao seu redor, menos é o tempo de vida , sendo ainda que os se mantêm intelectualmente produtivos, que cultivam bons relacionamentos, praticam atividade física, cuidam dos aspectos do emocional em suas vidas, podem viver até cinco anos mais que a média, de acordo com o gráfico do trabalho do pesquisador Terraciano:

As drogas e a felicidade

Esta constatação parece um tanto ao contrário do senso comum sobre o grau de consciência que devemos ter a respeito das dificuldades da vida.

Boa parte das pessoas acredita que no dia a dia nescessitamos de algo para baixar o nosso compromisso com a dureza da realidade para sermos mais felizes. Algumas delas recorrem a drogas receitadas pelos próprios médicos, como os conhecidos “ansioliticos”, ou benzodiazepínicos na nomenclatura farmacologia e acabam se tornando prisioneiras dessas drogas, o que resulta num estado depressivo de difícil resolução. Não devemos confundir as classes e categorias de psicofármacos, falo aqui apenas dos benzodiazepínicos (aqueles da receita azul) e não dos antidepressivos, ou outra classe de medicamentos cuja acao é contraria, sempre no sentido de estimular o nível de  consciência.

Mas as drogas mais perigosas são aquelas que agem diretamente nos receptores cerebrais responsáveis pela sensação de felicidade: Todas elas causam uma dependência quase que instantânea, e quanto mais rápida é o efeito, pior o grau, e por isso que dependentes de drogas injetáveis tem tanta dificuldade e controlar o vicio.

O ser humano tem uma necessidade inerente em ser feliz e passa sua vida inteira perseguindo esse estado. Muitos encontram a felicidade momentânea em drogas (licitas e ilícitas) , e isso os fará dependentes praticamente para o resto de suas vidas. Me recordo de uma paciente que me relatou que mesmo após ter parado de usar cocaína ha 10 anos, ainda sonha todas as noites que esta usando !

A neuroquímica da felicidade

O fato de existirem drogas que provocam a felicidade instantânea implica portanto na constatação de que há toda uma neuroquímica, bem como áreas cerebrais envolvidas nesse processo.

A titulo de comparação, podemos dizer que a química do humor é bem mais conhecida do que a da felicidade, e envolve principalmente os neurotransmissores chamados  de trimonoaminas, que são: Serotonina, noradrenalina e a dopamina, já a da felicidade envolve provavelmente alguns em comum, mas também outros sistemas menos conhecidos e possivelmente com ações mais complexas.

Interessante notar que existem pessoas que se dizem bem após tratarem um episódio de depressão, mas permanecem mesmo assim com baixo nível de felicidade. Ou vice-versa: pessoas felizes que apresentam um período de depressão, sofrem porque não aceitam e não querem estar infelizes. Esses são, pelo menos teoricamente, os melhores pacientes para se tratar porque querem conscientemente sair da angústia, ao passo que uma pessoa que tem um grau basal baixo de felicidade tem maior dificuldade para aceitar até mesmo os aspectos positivos do tratamento, como se nada fosse suficiente.

Mas voltando a química da felicidade, existem alguns elementos em comum com a do humor, como por exemplo a própria serotonina e a dopamina, sendo a primeira mais ligada ao processo de satisfação e a segunda ao prazer.

Já quanto aos sistemas cerebrais específicos do processo de felicidade, podemos citar os seguintes:

O endocanabinoides, um conjunto de receptores e enzimas (sendo a anandamida, substancia natural agonista desse sistema) que trabalham como sinalizadores entre as células e os processos do corpo, também despertam a atenção dos pesquisadores. Sabemos hoje que o sistema endocanabinoide do organismo, responsáveis por regular a memória, cognição, gerenciamento de dor, humor, resposta imunológica, sono e apetite, é acionado em situações de grande trauma, para que o excesso de estresse seja absorvido. Na tentativa de reproduzir a sensação produzida pelos endocanabinóides, muitos buscam a maconha, que possue na sua composição alcaloides capazes de agir como agonistas deste sistema, mas que ao longo do tempo vai provocando tolerância bem como outras modificações no cérebro do usuário. No longo prazo e com o aumento da frequência do uso, o individuo necessitará obrigatoriamente dela para “sentir-se feliz” – o que se caracteriza a dependência.

Outro sistema bastante ligado ao “ser feliz”, é o opioide. O organismo produz seus próprios opiodes (como por exemplo a beta – endorfina) que são liberados nos estados de dor ou após atividades de grande prazer  (sexo por exemplo).

Possivelmente esse sistema é um dos principais responsável pelo bem estar e capacidade de tolerância a estresse e dor, sendo que podemos até suspeitar que quanto mais operante é esse sistema numa pessoa, mais feliz ela é!

Mas o grande problema que se apresenta, é que todas as substancias que agem nesse sistema causam forte dependência física e psíquica. Nos Estados Unidos, hoje em dia, o abuso de opoides representa um dos maiores problemas em saúde publica daquele país.

Outro sistema que suspeitamos agir dentro do espectro da felicidade é o Gabaergico, cujo GABA (ácido gamamino butirico) é o principal agonista. Este sistema esta envolvido na inibição do sistema nervoso central como um todo, e o seu estímulo causa calma, e sonolência. O excesso de atividade desse sistema causa perda de memoria e depressão, sendo que as drogas que estimulam ele são os benzodiazepínicos e o álcool, principalmente.

Quem sabe se no futuro teríamos uma resposta ao desafio de conseguirmos um melhor grau de felicidade, sem criarmos uma dependência química ? 

Atualmente a medicina começa a engatinhar nessa resposta, e podemos citar algumas tentativas nesse sentido: O uso do naltrexone em baixas doses para estimulo das endorfinas endógenas, o próprio uso do canabidiol em varias patologias, a última geração de antidepressivos capazes de modular o sistema gabaergico, ou de melhorar a atividade dopaminérgica num paciente.

Foto por Jeremy Thomas, Christophe Hautier no Unsplash

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Publicado por Dr. Sergio Klepacz

Dr. Sergio Klepacz CRM 39099 – Médico psiquiatra desde 1983 pela Santa Casa de São Paulo, mestrado em psicofarmacologia pela Unifesp. Diretor da clinica TotalBalance Medicina Integrada.

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